Putin, Trump e as “raízes históricas”: ambições territoriais, geopolítica e os perigos de discursos que ecoam tragédias do século 20.
Por Edoardo Pacelli.

Trump aperta mão de Putin, em 2018 (foto de LehtikuvaJussi Nukari, Xinhua)
Há poucos dias, Vladimir Putin, falando sobre a ambição de Donald Trump de adquirir a Groenlândia, esclareceu a nova filosofia pela qual, hoje, as grandes potências abordam o mundo. De fato, quando Donald anunciou suas intenções em relação à Groenlândia, junto com a reconquista do Canal do Panamá, observadores internacionais pensaram que era apenas mais uma brincadeira. Então, alguns dias atrás, o inquilino da Casa Branca reintroduziu o assunto com mais vigor e, logo depois, veio a notícia da viagem de Vance, vice-presidente dos EUA, e sua esposa à ilha do Ártico. Esse interesse exagerado e reiterado do presidente americano levou até mesmo o Parlamento local, eleito recentemente, a criar imediatamente um governo de unidade nacional para se opor ao projeto.
O que tornou a história, que parecia uma piada, ainda mais acalorada foi o comentário recente de Putin. Uma espécie de bênção:
Estes não são discursos extravagantes: os planos para a Groenlândia têm raízes históricas de longa data.
Putin, em suma, levou os desejos de Trump ao pé da letra. Ele abordou a questão com tanta autoconfiança, levantando a dúvida de que o tópico tenha sido discutido na conversa entre os dois, há algumas semanas. Parecia que as palavras do czar tinham o sabor de uma legitimação dos objetivos do presidente americano. Além disso, com a astúcia luciferiana de um ex-KGB, o homem do Kremlin argumentou seu meio-consentimento com a mesma lógica com a qual motivou a agressão à Ucrânia: “Raízes históricas”. Uma espécie de equação. Para ele, assim como a Ucrânia não é uma nação, mas território russo, o mesmo pode ser dito sobre a relação entre Groenlândia e Estados Unidos.
Não faltam semelhanças entre as duas histórias. A Ucrânia foi atacada porque não tinha cobertura internacional, era uma ovelha perdida fora da Otan e da União Europeia. O lobo do Kremlin, se não fosse pela resistência heroica de Kiev, não teria sofrido represálias. A Groenlândia é uma região autônoma da Dinamarca, que optou por não aderir à UE. Então, se Donald realmente tentasse, ele teria uma complicação a menos.
O que surpreende, em relação ao passado, fazendo entender o quanto o mundo mudou, é o halo de normalidade com que aqueles que governam as grandes potências decidem atacar outra nação ou não escondem sua intenção de se apoderar, unilateralmente, de territórios que consideram estratégicos. Putin queria Donbass pelas terras raras? Ele não pensou duas vezes antes de tomá-lo. Trump cobiça os minerais da Groenlândia? Bem, ele não tem escrúpulos em declarar que os quer.
Nessa lógica, o direito internacional, as fronteiras, a independência dos territórios, a autodeterminação dos povos e o respeito às alianças são pequenos detalhes. Voltamos à força, à força bruta, sob o disfarce de “raízes históricas”. Para Putin, a Rússia de Kiev é o Estado que deu origem à Rússia de Moscou; para ele, russos e ucranianos são a mesma coisa: um rosto, uma raça. Isso também pode levar Trump, um dia, a mencionar o fato de que o viking Leif Erikson, filho de Erik, o Vermelho (o mesmo penteado flamejante de Donald e primeiro colonizador da Groenlândia), chegou à América 500 anos antes de Colombo. Para demonstrar, como Putin ensina, que a América e a ilha do Ártico têm “raízes históricas” comuns.
Mas, se pensarmos bem — e um arrepio percorrer a espinha — as “raízes históricas” dos territórios estiveram na origem das grandes tragédias do século passado.
Hitler iniciou a Segunda Guerra Mundial reivindicando os Sudetos da Tchecoslováquia e Danzig da Polônia, por razões étnicas. Voltando a nós, podemos apostar que, devido às “raízes históricas”, como Putin com a Ucrânia e Trump com a Groenlândia, Xi, em breve, retornará para reivindicar Taiwan para si, com maior arrogância.
Edoardo Pacelli
Jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus
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