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Se alguém lhe perguntar: quando faleceu a Santa Teresa Dávila? Qual seria a sua resposta? A resposta correta seria: à noite, entre 4 e 15 de outubro de 1582!
Parece um paradoxo, mas não é! Para explicar o mistério, temos que fazer um passeio no passado remoto. O homem sempre tentou dominar o tempo, é um impulso irrefreável que levou a várias formas de calculá-lo; basta pensar que ainda existem calendários diferentes hoje: o calendário etíope dura 13 meses e começa em 11 de setembro! Portanto, não é desde os temporibus illis que o início do novo ano corresponde a 1º de janeiro. Aliás, por muito tempo não foi assim.
Verdade ou lenda, o primeiro calendário romano é devido ao fundador da Cidade Eterna, Rômulo; começava em março e contava 295 dias espalhados por 10 meses lunares. Com o sucessor, Numa Pompilius, o início do ano permaneceu o mesmo, mas os dias aumentaram para 355, com a adição dos meses de janeiro e fevereiro: januárius era o mês de Jano, deus do “começo”; februarius, o das purificações, februar, isto é para purificar. Os meses tornaram-se então 12.
Uma mudança significativa ocorreu, muitos séculos depois, precisamente em 46 a.C., com a entrada em vigor do calendário juliano. Apesar das imperfeições, a reforma de Júlio César, refinada continuamente ao longo do tempo, fixou o início do ano no kalendae de janeiro, passou do ano lunar para o ano solar, estabelecendo a duração de cada um em 365 dias e 6 horas.
Esse superávit não deve ser subestimado, não é reportado por acaso, aliás, a cada quatro anos se constituía um dia inteiro que devia ser adicionado ao mês de fevereiro: o ano assim estendido, com 366 dias, era chamado de ano bissexto. Por fim, o calendário juliano fixou o equinócio da primavera em 25 de março: data fundamental para o cálculo da Páscoa da Ressurreição, feriado móvel que, sempre caindo no domingo, nos permite reconstruir os calendários passados.
Os problemas não param por aí, há mais uma complicação: o excedente do calendário juliano não era apenas 6 horas, muito conveniente, mas também, 11 minutos e 9 segundos que, a cada 128 anos perfaziam um dia inteiro. Com o tempo, esse resíduo fez com que o equinócio vernal retrocedesse para 21 de março, tanto que o Concílio de Nicéia, em 325, o fixou nessa data.
Outras tentativas corretivas foram feitas. A partir do século 14, os próprios papas promoveram os estudos contratando muitos matemáticos e escrevendo para imperadores, universidades e bispos para que não subestimassem a questão, mas a levassem a sério. Coube ao Papa Gregório XIII, com a bula Inter gravissimas, de 24 de fevereiro de 1581, iniciar a reforma do calendário juliano, substituindo-o, assim, pelo calendário gregoriano, o nosso.
Também neste caso, um dos problemas capitais a se enfrentar dizia respeito precisamente ao equinócio da primavera: de fato, com o passar dos anos foi rebaixado para 11 de março, portanto, para voltar a manter o equinócio no dia 21, dez dias foram retirados do mês de outubro 1582, de 5 a 14 inclusive. Se tivéssemos vivido em 1582, teríamos ido dormir na noite de 4 de outubro e despertado no dia 15! Santa Teresa d’Avila, mesmo que tenha expirado na noite e madrugada, ou seja, entre 4 e 5 de outubro, faleceu entre 4 e 15 de outubro!
Em 1582, apenas Itália, Lorena, França, Portugal e Espanha adotaram o calendário gregoriano. Nem todos os países aceitaram imediatamente a mudança. Alguns esperaram: em 1752, Inglaterra e Irlanda, o adotaram; em 1923, foi a vez de Rússia e Grécia. Outros, ainda hoje, preferem uma estrutura de tempo distinta: o calendário juliano sobrevive depois de mais de 2 mil anos; de fato, a Igreja Ortodoxa Grega o usa como próprio calendário litúrgico.
Qual é a curiosidade? Mesmo o calendário gregoriano não está isento de erros, os excedentes não devem ser subestimados: 24 segundos, parecem poucos, mas em 2 mil anos essa diferença formará um dia. Quem sabe que solução a posteridade encontrará, não estaremos aqui para ver, a menos que a gente não hiberne!
Na imagem, o que resta do antigo calendário romano composto por Verrius Fracus, o ilustre gramático, escolhido por Augusto como preceptor dos seus netos, no ano entre 6 e 10 d.C..